sábado, 9 de abril de 2016

Radicalizações


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A propósito do livro de Ha-Joon Chang (23 things they don't tell you about capitalism, Penguin, 2010), que desmistifica completamente a ideia de que o liberalismo funciona –serve apenas para enriquecer quem é mais rico— alguns comentários sobre a situação absurda da direita portuguesa.

A direita portuguesa, era a classe média – profissões liberais, quadros superiores do Estado. Era «direita» apenas no sentido de que não era «esquerda revolucionária» e que era mais ou menos conservadora (em termos estéticos e éticos). Posta assim, a «direita» portuguesa inclui a maior parte das famílias que conheci.

Ora a direita, agora, reclama­ se neo-liberal, isto é, promotora do mercado livre; o que é uma maneira de permitir a quem já tem muitas posses poder investir e ganhar; não é uma maneira de defender as classes das profissões liberais e dos quadros superiores do Estado. Naturalmente, essa «direita» não seria liberal – estaria, nesse caso, a ser suicida.

Mas, na medida em que essa «direita» nada se revê nas «causas fracturantes da esquerda» (casamento homossexual, liberdade total de emigração, vergonha história do nosso passado, etc.) vai­ se identificando com o que está contra essas causas fracturantes. Ora o que está contra essas causas fracturantes é uma direita que, na ausência de programa económico específico, acabou por abraçar o neo-liberalismo. Ser «conservador» passou, assim, de repente, a ser semelhante a «ser neo­ liberal». A situação é absurda, porque o neo­ liberalismo não é conservador no sentido da direita europeia continental e, especificamente, de Portugal.

Muitas das pessoas que andam a namorar o neo-liberalismo fazem-no apenas por não haver, em Portugal, um representante claro do conservadorismo tranquilo, centrista, português. E o mesmo se passa na restante Europa continental.

Que valores representa esse «conservadorismo»? Valores cristãos, sobretudo: igualdade, certamente, mas elitismo ao mesmo tempo; liberdade, mas não licenciosidade e libertinismo ou liberalismo; o domínio da lei, igual para todos; acabar com o povo, no sentido de tornar toda a gente de classe média – de todos serem civilizados e cultos, na tradição cultural ocidental. É uma aurea mediocritas, um domínio de uma classe média remediada e culta (a ideia, em si, é romana, de Virgílio).

A aurea mediocritas é exactamente o contrário do que o liberalismo defende —o mundo é de quem o conquistar, independentemente de quaisquer valores— e do que a verdadeira esquerda defende —redução do indivíduo a uma estatística, indiferienciação dos sexos, que passam a «géneros», corte radical com as culturas do passado, arbitrariedade de todos os valores.
É possível, hoje, essa via do meio? Sim e não.

Vamos ao Sim.

Sim na medida em que há países que a seguem com sucesso – na Escandinávia, embora com alguns problemas, têm-no conseguido, embora com um radicalismo ideológico que parece ir deitar tudo a perder.

Sim na medida em que os países que seguiram políticas de mercado livre reais tiveram crescimentos enormes em pouco tempo mas que levaram directamente a uma crise quase sem precedentes. Portanto, se o liberalismo é inviável há lugar para essa via do meio.

Sim na medida em que na ausência de políticas de centro, redistribuidoras, há desigualdades brutais que levam a rupturas sociais. Segue-se que tem de haver essa via do meio ou que haverá caos.

Agora vamos ao Não.

Não porque os poderosos são os ricos e, como em todos os tempos, os poderosos pagam a escravos para que lhes escrevam literatura justificatória – agora são os tratados de economia neo-liberal, com aldrabices e tudo; no passado foram teólogos que defendiam a monarquia como determinada por Deus.

Não porque os sistemas do meio são, por natureza, instáveis porque em democracia não há maneira de conseguir que os governos, na esperança de serem reeleitos, não gastem demais com a segurança social, determinando depois cortes brutais (como recentemente sucedeu entre nós). Ou seja, um governo de centro tende, ele próprio, a gastar demais e comprometer o equilíbrio.

Não, finalmente, porque a opinião pública está radicalizada: há extrema-esquerda e neo-liberais. No meio já quase ninguém fala, e quem fala deixou de ser ouvido porque só se ouve agora quem fala grosso e demagógico.

Escrevo tudo isto porque noto, nos eleitores tradicionalmente do centro, quer PS quer PSD, tendências para radicalização. Seguindo o que a psicologia social econtrou, cada grupo se radicaliza ordeiramente onde «deve», à esquerda no caso PS à direita no caso PSD. Ninguém parece saber bem em que acreditava inicialmente: apenas sabiam o grupo de pertença. Isto é: «sou de esquerda? então agora radicalizo-me à esquerda! Sou conservador? Então passo a neo-liberal!».

E finalmente escrevo isto para não desistir. Para lutar contra o enfileiramento das pessoas em grupos ululantes que defendem aquilo de que nem sabem sequer os perigos que representa para elas próprias.

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