quarta-feira, 23 de março de 2016

Do ódio ao próximo ao amor do outro



  1. Há pessoas que não gostam das condições em que vivem. Chamemos­-lhes «descontentes». Encontram um bode expiatório nos outros, que acham serem os causadores da angústia que os descontentes sentem; e passam assim a odiar o próximo e, logo a seguir, a odiar as pessoas em geral.
  2. Para justificar um sentimento tão mal-visto, os descontentes generalizam esse ódio ao próximo e às pessoas na fórmula, aceitável, «condenar a sociedade» («a culpa é dos burgueses, dos judeus, dos comunistas, dos americanos», etc.)
  3. Ao mesmo tempo que desenvolvem ódio ao próximo, e ainda para se justificar, os descontentes inventam um «homem ideal», não «corrompido pela sociedade», homem esse que podem amar. Rousseau tornou essa ideia popular com o «bom selvagem».
  4. No nosso tempo, esse «bom selvagem» é qualquer pessoa, qualquer cultura que não seja ocidental. É aquilo a que podemos chamar «o outro». Atenção, que «o outro» (idealização) é diferente de «o próximo» (pessoas que se conhecem de facto).
  5. Esperar-se-ia que, quando «o outro» se revela ameaçador, as ilusões desaparecessem. Mas se o ódio ao próximo for suficientemente violento não será assim. Nesse caso, o descontente, ao ver um «outro» atacar o «próximo», identificar-se-á com o outro: afinal, tal como o descontente, o outro ataca o próximo e odeia-o.

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