Steven Pinker, The Better Angels of our nature: the decline of violence in history and its causes
1. Revisão do livro
O livro tem uma tese empírica: que a violência baixou progressivamente com a civilização. Tem, além disso, um projecto: o de conhecer bem a agressão humana – quais os factores que a promovem e que a diminuem.
Todo o livro é apoiado em dados: não há afirmações gratuitas. O que o autor demonstra é o seguinte.
(a) Progressivo declínio da agressão e seus motivos
A agressão é muito forte nos grupos de caçadores recolectores e ainda maior nos grupos de caçadores agricultores (várias tribos da América do Sul e os Bosquímanes). Este dado é importante porque viola a maior parte das afirmações que se lêem: que estes povos vivem em paz relativa. Não é verdade. Todas as tribos de caçadores estão regularmente em guerra com os vizinhos e a probabilidade de se morrer violentamente é muitíssimo superior à do nosso tempo.
Estes dados estatísticos são acompanhados de material proveniente das culturas e demonstra que a nossa espécie, antes do aparecimento da estrutura sedentária hierárquica, vive em guerra perpétua com as tribos vizinhas.
A agressão baixa muito com a centralização dos estados. Quando há um poder central, esse poder tem vantagem em diminuir os atritos entre os subordinados. Isto ocorre porque a guerra é destrutiva e o chefe apenas perde com guerras entre súbditos. Pinker identifica então um factor importante no declínio da violência: o estado Leviathan de Hobbes.
Dentro do estado Leviathan pode aparecer um declínio ainda maior da agressão. Na Europa verificou-se esse declínio a partir do Séc. xvii. A razão é, diz Pinker, o crescimento das economias baseadas na indústria e no comércio, muito mais enriquecedoras do que as economias baseadas apenas na terra e na guerra. Com a industrialização o processo de pacificação aumenta até. O comércio está ligado à instrução. E efectivamente, o iluminismo testemunha precisamente isso.
Com a instrução há mais leitura; com o comércio há mais trocas com povos diferentes. Estes factores levam, diz Pinker, ao aumento da empatia. A empatia significa, neste caso, sentir que o outro também sofre. Há poucos dados claros aqui e deve-se considerar esta ideia uma hipótese; mas faz sentido. O comércio implica estruturação da acção em termos de ganhos e perdas e da antecipação da acção de outrem; a instrução e a divulgação do romance implicam o mesmo: que nos coloquemos do ponto de vista do herói ou da heroína. Seja como for, Pinker defende a ideia de Norbert Elias de que o «gentil comércio» substitui a guerra e implica uma diferenciação mental. Esta ideia vem, por seu turno, da teoria da ideologia burguesa, de Max Weber, de quem Elias foi discípulo.
Ao mesmo tempo que estes dois factores se desenvolvem, diminui a cultura da honra, cultura guerreira. Há pois uma atenuação das relações agonistas entre machos, um decréscimo dos valores masculinos e um acréscimo dos valores femininos.
Com a instrução eleva-se também a razão –o cálculo frio dos ganhos e perdas substitui os valores emocionais e intensos– o que promove também a paz.
(b) Psicologia da agressão
O livro compreende secções longas e muito importantes sobre a Psicologia da agressão. Embora nem os dados nem as interpretações sejam novas, aparecem todos reunidos. A leitura é impressionante e verifica-se até que ponto a nossa espécie parece programada (como as outras) para a agressão, e particularmente a agressão de membros exteriores ao grupo ou desviantes.
Se não se estiver interessado na sociologia da agressão e na política da agressão, bastariam estas secções para fazer do livro uma obra de referência.
(c) Contexto
O livro tem de se compreender no debate norte-americano entre os culturalistas e os sociobiólogos. O autor toma, como sempre, claro partido pela sociobiologia, que mais não seja porque os dados parecem dar razão a esta posição.
Politicamente, é difícil para um europeu definir o autor. Eu diria que ele se situa no movimento liberal do Séc xix (mas não no «liberalismo» actual). Seria, portanto, «de esquerda»; mas ao mesmo tempo é claramente inatista e realista, não considera a espécie como moldável à vontade, e seria, portanto, considerado «de direita». Mas é talvez estúpido tentar classificar um autor tão interessante, tão sabedor, tão inteligente e tão original como outra coisa além dele. Digo isto apenas porque tenho pouca dúvida de que será atacado pela esquerda por ser demasiado biológico e pela direita por ser demasiado libertário.
(d) Opinião
Considero o livro uma obra excepcional. Uma leitura obrigatória, quer pela informação que tem (é realmente incrível a capacidade de estudo e de organização dos factos) quer pelas hipóteses que apresenta. É dos livros mais fascinantes que tenho lido, quer em Psicologia quer em Ciência Política.
O livro é longo (700 páginas de texto com letra corpo 9) e sendo sempre fácil de ler tem tanta informação que é difícil de digerir.
Sugeriria, contudo, que todas as pessoas interessadas nas questões humanas o lessem. É, creio, e como os outros livros de Pinker também o são, mas talvez em menor grau, uma obra prima.
Para quem já conhece livros do mesmo autor: a escrita é mais adulta, menos adolescente, tem menos piadas. Mas o estilo é o mesmo: directo, um pouco abundante de detalhes, muito informativo, sempre claríssimo.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
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