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A
propósito do livro de Ha-Joon Chang (23 things they don't tell you about capitalism, Penguin, 2010), que desmistifica completamente
a ideia de que o liberalismo funciona –serve apenas para enriquecer
quem é mais rico— alguns comentários sobre a situação absurda
da direita portuguesa.
A direita portuguesa, era a classe
média – profissões liberais, quadros superiores do Estado. Era
«direita» apenas no sentido de que não era «esquerda
revolucionária» e que era mais ou menos conservadora (em termos
estéticos e éticos). Posta assim, a «direita» portuguesa inclui a
maior parte das famílias que conheci.
Ora a direita, agora, reclama se
neo-liberal, isto é, promotora do mercado livre; o que é uma
maneira de permitir a quem já tem muitas posses poder investir e
ganhar; não é uma maneira de defender as classes das profissões
liberais e dos quadros superiores do Estado. Naturalmente, essa
«direita» não seria liberal – estaria, nesse caso, a ser
suicida.
Mas, na medida em que essa «direita»
nada se revê nas «causas fracturantes da esquerda» (casamento
homossexual, liberdade total de emigração, vergonha história do
nosso passado, etc.) vai se identificando com o que está
contra essas causas fracturantes. Ora o que está contra essas causas
fracturantes é uma direita que, na ausência de programa económico
específico, acabou por abraçar o neo-liberalismo. Ser «conservador»
passou, assim, de repente, a ser semelhante a «ser neo liberal».
A situação é absurda, porque o neo liberalismo não é
conservador no sentido da direita europeia continental e,
especificamente, de Portugal.
Muitas das pessoas que andam a
namorar o neo-liberalismo fazem-no apenas por não haver, em
Portugal, um representante claro do conservadorismo tranquilo,
centrista, português. E o mesmo se passa na restante Europa
continental.
Que valores representa esse
«conservadorismo»? Valores cristãos, sobretudo: igualdade,
certamente, mas elitismo ao mesmo tempo; liberdade, mas não
licenciosidade e libertinismo ou liberalismo; o domínio da lei,
igual para todos; acabar com o povo, no sentido de tornar toda a
gente de classe média – de todos serem civilizados e cultos, na
tradição cultural ocidental. É uma aurea mediocritas,
um domínio de uma classe média remediada e culta (a ideia, em si, é
romana, de Virgílio).
A
aurea mediocritas é
exactamente o contrário do que o liberalismo defende —o mundo é
de quem o conquistar, independentemente de quaisquer valores— e do
que a verdadeira esquerda defende —redução do indivíduo a uma
estatística, indiferienciação dos sexos, que passam a «géneros»,
corte radical com as culturas do passado, arbitrariedade de todos os
valores.
É
possível, hoje, essa via do meio? Sim e não.
Vamos
ao Sim.
Sim
na medida em que há países que a seguem com sucesso – na
Escandinávia, embora com alguns problemas, têm-no conseguido,
embora com um radicalismo ideológico que parece ir deitar tudo a
perder.
Sim
na medida em que os países que seguiram políticas de mercado livre
reais tiveram crescimentos enormes em pouco tempo mas que levaram
directamente a uma crise quase sem precedentes. Portanto, se o
liberalismo é inviável há lugar para essa via do meio.
Sim
na medida em que na ausência de políticas de centro,
redistribuidoras, há desigualdades brutais que levam a rupturas
sociais. Segue-se que tem
de haver essa via do meio ou que haverá caos.
Agora
vamos ao Não.
Não
porque os poderosos são os ricos e, como em todos os tempos, os
poderosos pagam a escravos para que lhes escrevam literatura
justificatória – agora são os tratados de economia neo-liberal,
com aldrabices e tudo; no passado foram teólogos que defendiam a
monarquia como determinada por Deus.
Não
porque os sistemas do meio são, por natureza, instáveis porque em
democracia não há maneira de conseguir que os governos, na
esperança de serem reeleitos, não gastem demais com a segurança
social, determinando depois cortes brutais (como recentemente sucedeu
entre nós). Ou seja, um governo de centro tende, ele próprio, a
gastar demais e comprometer o equilíbrio.
Não,
finalmente, porque a opinião pública está radicalizada: há
extrema-esquerda e neo-liberais. No meio já quase ninguém fala, e
quem fala deixou de ser ouvido porque só se ouve agora quem fala
grosso e demagógico.
Escrevo
tudo isto porque noto, nos eleitores tradicionalmente do centro, quer
PS quer PSD, tendências para radicalização. Seguindo o que a
psicologia social econtrou, cada grupo se radicaliza ordeiramente
onde «deve», à esquerda no caso PS à direita no caso PSD. Ninguém
parece saber bem em que acreditava inicialmente: apenas sabiam o
grupo de pertença. Isto é: «sou de esquerda? então agora
radicalizo-me à esquerda! Sou conservador? Então passo a
neo-liberal!».
E
finalmente escrevo isto para não desistir. Para lutar contra o
enfileiramento das pessoas em grupos ululantes que defendem aquilo de que nem
sabem sequer os perigos que representa para elas próprias.
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